segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Amie.



Do fundo do meu mais íntimo desejo, aceitei a proposta mais simples e sincera que já me fizeram. É certo que eu já vinha me preparando para isso há alguns textos e ensaios, mas enfim, chegou a nossa vez.

Chegou a nossa vez de consumir o tempo em que carregávamos o céu em nossas costas, entre cartas e descartes. Completamente embaralhados entre as estrelas.

Em meio a tantos sentimentos alheios que nos desperta a necessidade, destrepando-nos, fomos capazes de nos amar pelo avesso.

Fazer amor com alguém como ele foi como ver com clareza pela primeira vez, já que o amor não existia. O que nos unia era a falta. E falta tudo para quem precisa de amor.

Se é nosso dever agarrar todo amor que há nessa existência cruel, então não fizemos mais que nossa obrigação. E Chopin há de agradecer pelo nosso coro que, por direito, somamos às suas sinfonias.

Choramos por todos os poros: lágrimas em forma de suor. E viajamos o mundo no diâmetro da cama. Fomos o mais perto possível de onde queríamos estar. Criamos o genérico do amor (mais barato, mesmo efeito). Nada a se preocupar.

A consciência deve ser a arma mais forte contra a solidão. Por isso não havia deus, não havia pecado, não havia arrependimentos suficientes que pudessem nos impedir. A consciência sim, era a ditadora dos nossos corpos ávidos que não pensavam no depois. Talvez por não haver depois algum.

Todas as lágrimas dos nossos corpos foram pelo ralo e espumaram no chão. Bolhas ácidas que nem sequer me fizeram cócegas nos pés, tão imune eu me encontrava àquela dor em ser tão rapidamente finita. Acabaria de qualquer forma, como acabaremos um dia. Sozinhos ou não.

E depois de tudo isso o que resta dele em mim são só as partes óbvias que me doem pelo tempo que esperamos para nos consumir pela boca, pernas e vãos.

Mas me assusta muito saber que depois de ter aprendido com os erros, passei a apreciar as deformidades do amor. E talvez eu me apaixone justamente por elas.


Amie: http://www.youtube.com/watch?v=f8Js4V-7mOM

Imagem: Egon Schiele



domingo, 25 de setembro de 2011

De olhos fechados elas caem.


Se você pudesse me ver nesses últimos meses, veria claramente que existe algum problema. É difícil assumir, mas agora é tarde, fugiu de mim. O problema é a semelhança que eu não encontro em mais ninguém. Não vejo seus olhos em outros rostos, seu sorriso em outros dentes, nem sua voz em outros sons. Meu problema é buscar suas características em todos os homens que levo pra cama, pro berço que é meu coração de mãe viúva. Nossa gestação longa deixou sobrar muito amor triste que carrego sozinha. Seu fantasma branco não permite que ninguém seja como você e signifique tanto para mim. E rouba desde meus primeiros passos de manhã até meu corpo entregue aos lençóis amassados no fim da noite, entre gemidos frios. Mas se me vens em sonhos lindos, na realidade não existe mais: metamorfoseou. E cada vez que surges, eu fecho os olhos, de medo. Mas é só fechar os olhos pra eu chorar. Meu estado ainda é grave: preciso de distração permanente para não viver em função das lembranças... Justo eu que odeio viver de passado, que quero viver cada dia como se fosse o último, que quero ser livre e feliz. Justo eu que não quero depender de ninguém, fui abençoada sem querer. É muita pretensão querer saber se haverá um fim, mas pra quem já agüentou até aqui... um mês a mais há de vir!

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Menina, ele te ama!

Colagem e desenho com lápis de cor feitos por mim.

Menina, ele te ama! Seque as lágrimas do teu rosto, veja as coisas que ele faz. É verdade, um sempre ama mais. Mas não se sinta assim tão frágil, a qualidade é uma virtude que não mede quantidade. Quando ele te escolheu, já lhe dizia o coração, você é a mais bonita. E de ouvir seu velho amigo, seguiu o seu caminho e chegou até você. Sorria pelas noites, sorria pelos dentes, roubava-lhe a atenção e acabava entrando sempre pela porta da frente. Você, de tão fechada e calejada, se viu apaixonada pela inocência do rapaz. Ah, menina, o amor dele é forte! Derreteu seu passado à ferro, te enlouqueceu e te pôs no seu lugar. E estando no seu lugar, viu-se vítima pela primeira vez. Ele sabe te amar, como nunca ninguém fez! E agora onde está a mulher forte e segura, você se pergunta. Ficou perdida em qualquer lugar, onde não há nada para se perder. Seu coração começou a bater e você mal sabe qual é o segredo pra ele não parar. Chora de saudade, chora de certeza, chora por tudo que te faz amar. Esse mal-acostumado coração que aprendeu depois de velho qual é a sua função, só te faz chorar! Mas fique calma, menina, não há nada para se preocupar. Seu amor agora responde, no ecoar do rapaz que não sabe o faz pra te fazer parar de chorar. Menina, ele te ama! Não sei por que reclamas desse amor a disparar...

sábado, 30 de abril de 2011

O dom de perder e aprender.


Fui para aprender, para crescer e sugar, sugar, sugar... E me sugaram inteira.

Observei os traços, os passos e os pedaços. Cada vício de expressão eu decorei. Limpei cada ladrilho, montei cada bancada, lavei todos os bicos e deixei o pó pra lá... Tornei-me o pó que vigiava, curioso, enquanto queriam me limpar. Sei das agulhas, das músicas e dos horários sem terror. Do pescoço que inclina levemente, dos anseios de amor, dos traumas de infância, das famílias imperfeitas, da barriga que cresce com vida e dor. Sei de como dividiam vidas comigo, enquanto recusavam-se a aceitar esse fato. E sei dos olhares que nada dizem – ah! quem me dera não saber desses - enquanto tudo que eu buscava tornava-se palavras mudas. Não olhava para mim, que limpava seu chão e decorava sua agenda com cifrões. “Money over bitches” e eu no vermelho. Família no telefone, amigos na internet e eu sozinha no paraíso, limpando o ralo que só servia para entupir e sugando o pó que deixavam para trás, para mim. Porque o resto também vale a dor de não ser nada antes de ir para o lixo.

Adiei minha partida o quanto pude, na esperança de ver um sorriso e ouvir um sim. Prendia o choro na garganta e atendia o telefone sorrindo. É verdade: entre bonés, tênis e computadores de marca, eu era a mais ignorante. E talvez por isso eu não servisse para seguir os passos que me mostravam, por não querer regredir meus valores humanóides. Há mais vida lá fora do que armas e glória, eu vi. E esse dom que só os homens têm, e essa letra que só os homens têm, e essa armadura que só os homens têm, e esse caminho que só os homens conhecem... não fizeram parte de mim.

E eu agradeço por isso: pela única oportunidade que eu perdi, de me perder.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Dê a descarga.



Um sentimento antigo esquecido no canto mais sombrio da memória. Eu só lembro quando durmo. Cada homem que deita ao meu lado traz um milésimo da memória velha e ao fechar os olhos o cérebro faz sua parte de resgate. Sonho com sorrisos letivos.
Eles levantam da cama e vão ao banheiro e eu penso que é você voltando a qualquer momento. Porque você era desses que vão mas sempre voltam, exatamente como quem só vai ao banheiro por necessidade, faz uma merda qualquer e volta aliviado com a alma mais leve e o coração com mais espaço para mim. Só foi logo ali pegar fôlego para me suportar um pouco mais. Nunca mais voltou.
Esqueceu o caminho de casa e encontrou deus na esquina do bordel. Esqueceu da paixão que agora jaz seca entre os livros de literatura de cordel. Cordas e algemas ao redor de si e uma venda benta nos olhos para secar as lágrimas. Por onde passo deixo pedaços e rastros de ti - pistas de saudade. Você nunca mais vai voltar?

Doa-me o que doer.


Eu lembro dos dias de tédio em sala, quando eu - por exclusiva covardia - fingia estar com náuseas, dores estomacais ou enxaquecas e o professor respondia convencido: "Estás mesmo muito pálida! Vá tomar um ar!" e eu fugia encabulada e surpresa com meu dom camaleônico... Momentos depois eu começava a ter náuseas e dores - não aquelas idealizadas, mas as que dóem. Eu lembro de como eu preferia ser doente a ficar na sala aprendendo coisas que eu nunca usei. Minha longa história sobre doenças convenientes.

{10/05/10}

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Sozinhos.


Olha pra mim: descascando cebolas sem parar, com cheiro de carne podre na corrente sangüínea. O ralo entupiu de novo. Olha o que me faz chorar... Sozinha num pseudo-lar, com a boca cheia de doce azedo. Alimentando minha tensão pré-casual. Dando pistas e mais pistas de quem eu nem sabia que era. E é assim que você gosta de mim: sozinhos.

Adaptação.



Já lavei os lençois e as fronhas, já troquei o lixo do quarto. Já limpei os vidros e janelas e te desenhei na parede. Dorme comigo só mais hoje e vai ficando aqui sem ver os dias passarem. Deixa que eu tiro sua roupa, te jogo na cama e beijo teu corpo com suor encharcado. Viro o colchão, troco de lado, ilumino seus olhos. Te falo de deus, de mãe e de mim; um pouco de tudo que não te faz falta, nem faz sentido. Subo todas as ruas e choro com a chuva. Seguro suas mãos e te acendo cigarros. Te dou mais um trago. Dou passos largos, te largo no ponto e te dou mais um beijo. Não digo "eu te amo", mas nós já sabemos. Por que tudo acaba sem nem começar? Você na parede e eu em qualquer lugar. Seu presente embrulhado com cordas e lanças. Já posso até me matar.